"Fleabag": um humor absurdo e real - Mateus Tavares

A pontualidade e o equilíbrio são características que costumam ser faltosas em diversas séries. Muitas vezes pela popularidade em excesso, o que faz com que a série se estenda à extremos e delongas da história as quais não deveriam chegar, ou na própria finalização da história, que muitas vezes falha em satisfazer a expectativa do público fiel. Porém, Phoebe Waller-Bridge consegue surpreender os olhos atentos da audiência na sua, escrita e dirigida, autêntica comédia britânica “Fleabag”.

Ao acompanharmos a narrativa da protagonista, a qual, de maneira perceptivelmente proposital, nunca sabemos o nome durante a trama, nos vemos presos nos dilemas e questões que cercam a vida adulta feminina, passando por problemáticas extremamente envolventes e ao mesmo tempo naturais. De simples dilemas acerca de relacionamentos familiares até ao peso do luto, acompanhamos a protagonista, vivida pela própria escritora e diretora da série, na sua luta diária para administrar seu próprio café à beira da falência enquanto carrega a culpa sobre a morte de sua melhor amiga. Além disso, a vivência e a relação dificultosa com sua própria família são fatores instigantes que permitem maior fluidez da trama e  trazem grande identificação de grande parte do público com a série.

Apesar dos complexos pontos de drama e a abordagem constante de temáticas pesada, que muitas vezes são classificadas como “tabus”, Phoebe Waller-Bridge consegue trazer uma intensa sensação de diversão e leveza ao enredo, principalmente ao quebrar a chamada “quarta parede”, mantendo assim de modo brilhante uma comunicação direta e frequente com o público, trazendo-o mais ainda para próximo da realidade narrada.

Mesmo a “quebra da quarta parede” não se tratando de uma novidade inovadora no mundo do entretenimento, o seriado consegue fugir do clichê e prender o telespectador de maneira única e inovadora com os diálogos construídos diretamente com o público, muitas vezes mesmo através apenas de olhares e expressões da protagonista.

Pela sua já comentada pontualidade, Fleabag se traduz em uma comédia dramática sem exageros ou falhas e consegue conquistar não apenas o coração, mas também a completa atenção daqueles que se dispõem a acompanhá-la. Com a pitada essencial de problemáticas gerais da vida, envolvendo questões como sexo, rejeição, dilemas familiares, solidão e adversidades financeiras, o seriado consegue flertar com o telespectador de forma a fazê-lo ser fiel a protagonista, como se assim fosse sua única companhia.

Assim, tudo é posto em jogo, porém nada se perde. Cenas constrangedoras, empolgantes, desconcertantes e hilárias nos fazem sentir parte de uma narrativa inovadora e empolgante, porém que possui aspectos extremamente comuns à vida real. A conexão criada com o público permite que a abordagem de temas difíceis seja realizada de maneira quase que discreta, trazendo a quantidade ideal de diversão aos momentos mais complexos e profundos da trama e da vida da protagonista.

Dessa maneira, com tamanha proximidade e com o desenvolvimento contínuo de uma intimidade quase que exclusiva, Fleabag nos faz sentir parte de um enredo “de novela”, mas que é quase tão real quanto nossas próprias vidas. Em seu último suspiro, após apenas duas temporadas, o seriado nos deixa com um grito engasgado de “quero mais”, porém permite com que entendamos também que toda história precisa de seu ponto final.

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