O caso Stephen Glass e a importância das organizações em checar informações

 Marcos Sant' Ana

         

Stephen Glass em 1998, então repórter da New Republic. Fonte: Vanity Fair

18 de maio de 1998. O artigo, ou melhor, fanfic entitulada "Hack Heaven" (tradução livre - O Paraíso dos Hackers) publicado pela revista estadunidense The New Republic e assinado por Stephen Glass, chamou a atenção do jornalismo (e posteriormente, o ramo das organizações) pela discrepância nas informações. 

    O artigo (que pode ser lido por este link) trata-se de um fictício jovem hacker que invadiu uma grande empresa de informática (Jukt, fictícia) e na "negociação", pediu emprego, uma viagem para a Disney e uma assinatura vitalícia da "Playboy". 

Adam Penemberg pegou Glass no pulo e o desmascarou após "esporro" de seu patrão na Forbes. Foto: Forbes.

    A notícia chegou a redação da Forbes, com o repórter Adam Penemberg recebendo um puxão de orelha de seu superior por não cobrir o "fato". E então Penemberg começou a investigação em conjunto com Chuck Lane, editor da New Republic. Após checar as informações, ambos descobriram que todas as informações eram falsas e que nunca existiu uma Jukt, nem Restil, nem negociação, nada. Após uma investigação mais profunda pelos editores da New Republic, foi descoberto que outros artigos escritos por Glass não passaram de uma fanfic.

    A New Republic demitiu Glass e constatou que, pelo menos, 27 dos 41 artigos publicados eram falsos. O fato foi um marco para a história do jornalismo e foi um dos pontos de partida para que as organizações realizassem a apuração e a checagem das informações antes de irem a público (a New Republic foi uma das pioneiras no chamado fact-checking), evitando que sua reputação foi manchada, como foi no caso da TNR, que perdeu aproximadamente 40% das assinaturas mensais nos últimos sete anos.

A mea culpa de Glass para a TNR, que pode ser acessada aqui.

      Após o jornalismo, Glass seguiu a carreira no direito e conseguiu o status de Doutor. Porém, não pôde exercer a profissão de advogado devido ao caso, como relatado em sua mea culpa na revista The New Republic, publicada em 2014.

Hayden Christensen interpreta Stephen Glass em "O Preço da Verdade" (Reprodução: Lions Gate Films)

        Em outras mídias, o caso repercutiu na revista Vanity Fair, que publicou o artigo "Shattered Glass" (tradução livre - Vidro Estilhaçado, um trocadilho com o sobrenome de Stephen), que serviu de inspiração para o filme honônimo, dirigido por Billy Ray e publicado em 2003. No Brasil, o filme foi lançado com o nome de O Preço da Verdade. 

Trecho da falsa entrevista entre dois membros do PCC ao Domingo Legal, que custou a reputação de Gugu e do jornalismo do SBT.

    No Brasil, há vários casos de informações inventadas, especialmente na televisão. O escândalo mais popular foi a falsa entrevista com dois membros do PCC, veiculada em 7/9/2003 no programa Domingo Legal, do SBT. Na ocasião, os "bandidos", que na verdade eram dois atores "assumiram" o sequestro do Padre Marcelo Rossi, uma semana anterior ao fato, além de ameaçar José Luiz Datena e Marcelo Rezende, dois expoentes do jornalismo policial. No dia seguinte, Datena e Rezende repercutiram o caso já tecendo inúmeras críticas e questionamentos ao SBT e a Augusto Liberato, o Gugu (então apresentador do Domingo Legal). O próprio PCC negou que os dois homens mostrados na reportagem pertenciam à facção.

    Por consequência do inquérito, o Domingo Legal não foi o ar na semana seguinte, a emissora foi multada pelo Ministério das Comunicações e processada pela Justiça. O programa, que era líder de audiência no horário, apresentou queda vertiginosa de audiência nos anos seguintes. Desde então, a credibilidade do departamento de jornalismo do SBT é duramente questionada, principalmente pelo fato de Silvio Santos não colocá-lo como prioridade.

    Portanto, uma organização, seja do ramo da mídia ou não, deve checar previamente as informações de forma minuciosa para que nada falso seja publicado, e assim, manchar a reputação da organização. Especialmente hoje, quando a informação nunca foi tão fácil de ser descoberta e disseminada com a internet.

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