Comentário: Stive Jobs, a entrevista- Por: Davi Teixeira de Andrade
Steve
Jobs: a entrevista perdida” não é um filme. É exatamente o que o título
promete, nem mais nem menos – uma longa entrevista com Steve Jobs, feita em
1995, com uma única câmera parada fechada no protagonista. A entrevista, honra
se lhe faça, não tinha intuitos cinematográficos. A ideia do entrevistador
Robert Cringely, então levada adiante, era apenas usar alguns trechos no
documentário O triunfo dos nerds, do canal público PBS. A fita
bruta, com a íntegra do material, sumiu entre uma edição e outra. Até que, no
ano passado, um dos editores encontrou uma cópia em VHS na garagem de casa. Foi
a partir dela que se criou o atual filme: uma curiosidade, um documento que
pode eventualmente funcionar em televisão ou, quem sabe, como extra de uma
possível edição especial do documentário.
Feita essa
ressalva, vale a pena, sim, assistir à entrevista. Na época, Jobs se encontrava
no ponto mais baixo da sua vida profissional. Havia sido demitido da Apple dez
anos antes, e seu novo projeto, o Next, estava empacado. Sabia-se falível:
talvez por isso tenha se exposto tanto. Conversa com sinceridade e sentimento.
Quando relembra o momento em que saiu da Apple e teve que deixar sala e mesa
fica genuinamente comovido, muito perto das lágrimas.
Previsivelmente,
ele é duríssimo com John Sculley, o executivo da Pepsi que, num sensacional
erro de julgamento, levou para a empresa. Não tenho nenhuma pena de Sculley,
que ganhou muito dinheiro para levar a Apple à beira da falência, mas não posso
deixar de pensar na ironia da situação. Quantos executivos já não ganharam
fortunas quebrando as empresas mais sólidas? No entanto, seus nomes são logo
esquecidos pelo público e eles podem tocar a vida como se nada houvesse
acontecido. John Sculley, porém, será para sempre o incompetente denunciado por
Jobs – e, pior, o responsável por afastar da Apple o seu criador genial. Mais
vingança dos nerds, impossível.
Jobs fala
longamente sobre os primórdios da companhia e da era da computação individual;
da sua relação com Wozniak; e da Microsoft, que acusa de não ter gosto. Jobs
diz taste , literalmente “gosto”, traduzido na entrevista como “imaginação”.
Não está errado. O sentido do taste que Jobs propõe é mais do que um puro e
simples gosto; é algo entre senso estético e imaginação.
Senso
estético
O
diagnóstico é fantástico. A Microsoft sempre foi inteiramente desprovida tanto
de um quanto de outra. Jobs cita o exemplo das fontes e do espaçamento entre
elas, coisa que só se aprende vendo livros bonitos. Perfeito! Esta é uma
sutileza que nunca fez parte do DNA da Microsoft. O que ele parece não ter
percebido é que essa falta de senso estético beneficiou muito a Apple, que se
tornou a favorita entre os profissionais das artes não só pelos seus méritos,
como pela falta de jeito da concorrência.
Quando Cringely
lhe pergunta como vê a Apple naquele momento, Jobs diz que a empresa está a um
passo da morte, num processo de decadência que ele considera irreversível. Aqui
o diagnóstico estava errado. Cerca de um ano depois da entrevista, Jobs
reassumiria o controle da companhia e partiria para a maior virada da
indústria.
É dentro
da perspectiva da morte iminente da Apple, contudo, que lamenta o que a
Microsoft representa, o triunfo de um padrão rastaquera. Para Steve Jobs, o ser
humano deve se cercar do que há de mais belo, do que há de melhor na
civilização. Esse senso estético quase mórbido levou à criação de equívocos
como o Cube, um dos computadores mais lindos e menos usáveis de todos os
tempos; mas ele estava certo no atacado, e em relação à mediocridade funcional
que sempre reinou no mundo PC. Beleza, como já dizia um certo poeta tropical, é
fundamental.
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