Resenha do filme "NO" _ Por: Camila Machado


O filme "No", é uma ficção que reconstitui o histórico plebiscito de 1988 do Chile, convocado por pressão internacional, no qual o general Augusto Pinochet pretendia conseguir aval popular para sua continuidade no poder após 15 anos do golpe. O filme expõe a importância do trabalho de René Saavedra, um publicitário, filho de um exilado, que foi convidado pela esquerda para orientar a campanha do "Não" ao regime e que contribuiu fortemente para a derrota de Pinochet, abrindo caminho para a redemocratização do país.

            Enquanto narra o processo de construção da campanha do “Não” o filme mostra nas entrelinhas toda a violência, repressão e tortura vivenciada no Chile daquela época.   A proposta da campanha do “No” que antes trazia um tom mais documental e fazia questão de mostrar para a população chinela todas as atrocidades que os militares cometiam diariamente no país, é totalmente reestruturada por René Saavedra. O publicitário decide usar dos truques e ideais publicitários em nome da concretização de um sonho, amenizando o tom da campanha, de forma a torná-la alegre e cativante. Porém, ideia não é aceita facilmente pela bancada esquerdista.  A ideia de fazer uma campanha “alegre” simplesmente não fazia sentido para eles, tudo parecia mais uma nova forma de silenciamento da violenta realidade chilena do que uma campanha contra o regime autoritário. “Parece que estou assistindo um comercial da Coca-Cola!”, diz um dos integrantes da bancada. Mas, René estava confiante de que daria certo, ele faria críticas a tudo de ruim que o governo fazia, mas sempre chamando a atenção do público que aquilo acabaria em breve (se votassem “no”). “Chile, a alegria tá chegando”, repetia o jingle da campanha. René usou de todos os artifícios universais da publicidade  que podia na campanha: pessoas lindas e sorridentes cantavam e dançavam ao som do jingle. Ele implantou no imaginário dos chilenos o sonho da liberdade, o sonho de um país renovado e livre de toda opressão.



    O marketing eleitoral tornou-se um ingrediente obrigatório e indispensável de qualquer campanha política, mas em 1988, quando a guerra fria chegava ao auge, era impensável enfrentar a extrema direita militar com uma série de spots publicitários alegres, animados, esperançosos. Mas, foi exatamente o contraste entre com o cheiro de chumbo que imperava no Chile e a ideia alegre de um futuro livre que fez com que o Chile se libertasse.  O longa metragem chama para discussão o uso dos meios publicitários para impulsionar sonhos ideológicos que, por si só, não teriam tal força. O filme ainda, nas entrelinhas, faz uma crítica ao universo de cópias presente na publicidade. Em determinada parte do filme, quando a campanha do “No” começa a ganhar força, a campanha do “si” muda suas estratégias e passa a adotar os mesmos estilos empregados na campanha rival. “Eles copiaram sua campanha”, acusa Veronica, ex-mulher do René, enquanto eles assistem o horário eleitoral. Ao passo que René apenas responde: “Não. É uma cópia da cópia, da cópia, da cópia..”.

            A campanha pelo Não no plebiscito chileno é tão insólita e corajosa que chega a ser difícil acreditar que seja verdadeira.  Talvez por isso o filme lance mão de trechos originais da campanha televisiva usadas na época, o que serviu para alimentar ainda mais esta sensação. Por um lado, são o retrato claro da genialidade empregada, por outro lembram o risco assumido ao levar a campanha neste sentido. A campanha foi capaz de mudar a história do país, principalmente através do contraste gritante entre as imagens de violência e as de alegria e esperança que marcaram o filme publicitário. Ela conseguiu fazer com que o povo realmente se dessa conta do que se tratava aquele plebiscito, que entendessem que eles tinham apenas duas opções: queria continuar oprimido ou votar pela liberdade.

            Não por acaso, o longa-metragem, com direção de Pablo Larraín, concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2013. A fotografia do filme é surpreendente, a luz estourando, os contra luzes e inúmeros outros artifícios geram uma atmosfera que nos leva para 1988 e nos faz vivenciar as marcas violentas da história chilena. Um filme que consegue chamar nossa atenção para discussões importantes do universo comunicacional e que sem dúvidas vale a pena ser assistido e reassistido. 

Confira o trailer:






Comentários

  1. Obrigada, Camila. Não conhecia o filme e ele dialoga bastante com a democracia da comunicação, pelo que você narra

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