A visão dos protagonistas: Transeuntes

 Por Talita Brandão


“Um padrão de estereótipo não é neutro. Não é meramente um jeito de substituir ordem por uma exuberante, ruidosa confusão de realidade. Não é meramente um curto-circuito. São todas essas coisas e algo mais. É a garantia de nosso auto-respeito, é a projeção sobre o mundo de nosso sentido, do nosso próprio valor, nossa própria posição e nossos próprios direitos.”

-Walter Lippman, 1922


Assim como Lippmann em suas pesquisas sobre estereótipos dá o exemplo de um homem que apenas identifica como paisagem aquela à qual foi apresentado anteriormente em um quadro, é possível observar que diversos quadros apresentados pela sociedade limitam e marginalizam grupos e indivíduos, como é o caso da comunidade trans.  

Mas e se mudarmos esses retratos?




A trajetória 

Letícia Imperatriz, coordenadora adjunta estadual da Aliança LGBTQIA +, enfrenta os preconceitos e estereótipos da sociedade todos os dias como mulher negra trans. Natural de Belo Horizonte, ela saiu da capital mineira para Montes Claros após enfrentar adversidades durante seu processo de transição.

“Minha trajetória se deu primeiramente naquele momento familiar. Para mim foi um pouco complicado porque eu sabia que minha mãe iria compreender mas que eu teria problemas com meu padrasto. No decorrer da transição eu sofri um estupro, o que não foi fácil para mim. Eu penso que na verdade para a vítima do estupro esquecer esse momento é muito complicado, porque sempre que uma pessoa se aproxima com outra intenção a gente já fica desconfiada. Por ai eu já comecei a me bloquear de algumas formas, o que me dificultou muito eu entender que de fato eu não era um homossexual, eu era uma transexual. Após tudo isso a convivência familiar estava um pouco pesada em Belo Horizonte,  então resolvi sair da cidade e me libertar daquela prisão que o estupro me causou, para aí sim eu conseguir vivenciar as transformações que meu corpo estava me proporcionando e me questionando.” Relata Letícia Imperatriz.

 Após sair de Belo Horizonte, Letícia se formou em Ciências Sociais, conquistando o que desejava: “Deixei bem claro para minha mãe que meu retorno para Belo Horizonte seria somente para entregá-la o meu diploma de curso superior e assim fiz. A partir daí comecei a trabalhar na minha área e como eu já estava realizada no mundo acadêmico e na profissão eu pensei: ‘Agora sim posso externalizar a mulher que existe em mim’. Então passei a tomar os hormônios e decidi fazer a primeira cirurgia que foi a mamoplastia. Depois de tudo isso percebi que não tinha por que voltar para Belo Horizonte, porque em Montes Claros eu poderia ajudar outras mulheres trans.”

A partir de sua vivência, Letícia Imperatriz, se dedica a luta por direitos da comunidade LGBTQIA +. No município, a cientista social faz parte de diversas ações em prol do movimento. Letícia, nas eleições municipais de 2020, se candidatou a vereadora, e conquistou 692 votos, porém não foi eleita. 

Transformando os olhares

Como coordenadora adjunta da Aliança LGBTQIA +, Leticia idealizou, em parceria com a Viggi Fotografia, o projeto “Transeuntes”. A iniciativa foi realizada no dia 29 de janeiro, Dia da Visibilidade Trans.


Nela, Lucas Viggiani, fotógrafo e publicitário, fez um ensaio fotográfico com o intuito dretratar as vivências de mulheres trans e homens trans de Montes Claros, em um viés diferenciado do olhar marginalizado. As fotografias foram tiradas no centro da cidade, onde os homens e mulheres trans e travestis transitaram livremente pelas ruas montesclarenses.

“A população só tem acesso a qualquer situação voltada a comunidade trans pelo fator negativo, e a gente precisa mudar isso. Nós sabemos que o índice de morte da população trans é muito grande. Mas nós sabemos que a gente precisa avançar e mostrar para a população que é possível sobreviver. Que é possível a gente chegar em um estágio e falar ‘nós não sobrevivemos, nós vivemos’. Quando nós vemos por exemplo a Duda Salabert, mulher mais votada, isso traz para a gente uma segurança, uma esperança.” Explicou Letícia Imperatriz sobre a visão passada pela mídia.

Para Lucas Viggiani o papel da comunicação é mostrar a imagem e passar a mensagem correta, mas passá-la através da voz do protagonista, para passar a vivência do protagonista. “Meu papel ali como fotógrafo não era colocar como assunto a arte de fotografar, o assunto era a Visibilidade Trans e Travesti. É contar a história delas e deles, com suas vozes, com eles e elas na frente, mostrando seus corpos políticos. A comunicação vem para isso, para mostrar e informar as pessoas, nesse caso para falar da existência e da resistência deles.”

No processo de idealização do projeto, Lucas conta como foi para ele fazer parte do Transeuntes, “Conheci Letícia Imperatriz no carnaval do ano passado, e quando ela se candidatou para vereadora ela fez umas fotos comigo de posicionamento de imagem, nisso a gente se conectou mais. Ela me ligou para falar que estava pensando em fazer algo para a Visibilidade Trans e começamos a conversar. Por ser gay também eu tenho muito interesse no tema LGBTQIA + e estou sempre buscando abrir caminhos para esse diálogo aqui em Montes Claros, pois nossa cidade não está aberta para isso.” Como homem gay, Lucas valoriza o papel fundamental das trans e travestis no movimento, pois elas foram as pioneiras na luta e abriram as portas para a liberdade de gênero e sexualidade, como é o exemplo de Marsha P. Johnson, ativista e figura primordial na rebelião de Stonewall. 

Sobre a conversa inicial Lucas comenta o aprendizado que recebeu pelo projeto, “Tudo foi muito fluido, falei com Letícia que deveríamos sair da leitura da violência e da marginalização que a gente sempre vê. Teve uma frase da Letícia que me tocou bastante, ela falou: ‘Lucas, eu sou uma das poucas mulheres trans que circulam pelo centro da cidade de dia.’.” 



“Esta, portanto, será a pista de nossa investigação. Teremos que presumir que o que cada homem faz está baseado não em conhecimento direto e determinado, mas em imagens feitas por ele mesmo ou transmitidas a ele.”

  • Walter Lippmann, 1922




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