Resenha e análise do livro ''O Poder do Hábito'' - Charles Duhigg _ Por: Camila Machado
O Poder do Hábito
de Charles Duhigg, repórter
investigativo do New York Times, apresenta muitos dos estudos da área de
neurologia, psicologia, sociologia e publicidade, que buscavam compreender como
os hábitos funcionam e como estes podem ser transformados, ao mesmo tempo em
que apresenta histórias de superação de pessoas e de grandes organizações. Duhigg
reforça ao longo de todo o livro a importância de entender como os hábitos
funcionam e de como isso pode se tornar a chave que pode mudar nossa vida.
“Transformar hábitos pode gerar bilhões e significar a diferença entre fracasso
e sucesso, vida e morte”.
O livro lançado em 2012
ficou mais de vinte semanas na lista dos mais vendidos do New York Times e é
baseado em “centenas de estudos acadêmicos, entrevistas com cientistas e
executivos e pesquisas realizadas em dezenas de empresas”. Duhigg aborda os
hábitos em sua definição técnica: as escolhas que fazemos deliberadamente em
algum momento, e nas quais paramos de pensar depois, mas continuamos fazendo
todos os dias. O livro é dividido em três partes e todos os nove capítulos
giram em torno de um argumento central: hábitos podem ser mudados, se
entendermos como eles funcionam.
Na primeira parte do
livro, Duhigg foca sua explanação na forma como os hábitos surgem dentro de
vidas individuais. Ele explora a neurologia da formação e transformação dos
hábitos e apresenta alguns métodos usados por algumas pessoas, empresas e ONGs obtém
sucesso atacando e tirando proveito dos hábitos. O primeiro capítulo mostra
como pesquisadores do departamento de Ciências Cerebrais e Cognitivas do
Massachusetts Institute of Technology (MIT) começaram a investigar, em 1990, a
relação dos gânglios basais (parte do cérebro que controla nossos
comportamentos automáticos – respirar, engolir etc.) com os hábitos. Através de
experimentos com ratos ficou provado que os gânglios basais eram essências para
recordar padrões e fazer com os ratos agissem com base neles dentro do
labirinto. Os gânglios basais, em outras palavras, armazenavam hábitos enquanto
o resto do cérebro adormecia, como indicado pelas sondas cerebrais que
indicavam a atividade dentro do crânio dos ratos durante o experimento. Com
base nos picos das sondas cerebrais dos ratos os cientistas perceberam um
padrão no processo no qual o cérebro cedia o controle aos hábitos. Tal processo
é um loop de três estágios:
1.
DEIXA: um
estímulo que manda seu cérebro entrar em modo automático;
2.
ROTINA: pode ser
física, mental ou emocional;
3.
RECOMPENSA:
ajuda ao cérebro a saber se vale a pena memorizar um loop específico.
A descoberta do Loop do Hábito revelou
que quando um hábito surge, o cérebro para de participar totalmente da tomada
de decisões. Talvez não nos lembremos das experiências que criam nossos
hábitos, mas, uma vez que estão alojados dentro dos nossos cérebros, eles
influenciam o modo como agirmos. Eles podem ser arquitetados deliberadamente ou
surgir fora da nossa consciência e são capazes de dar forma a nossa vida mais
do que percebemos. Mas, os hábitos não são inevitáveis; eles podem ser
ignorados, alterados ou substituídos e apenas entender como os hábitos
funcionam – loop do hábito – já os torna mais fáceis de controlar, segundo
Duhigg.
No segundo capitulo Charles apresenta que os hábitos dependem de um anseio para que as deixas e recompensas funcionem. Por meio da historia de como Claude Hopkins transformou a pasta dental ‘Pesodent’ num dos produtos mais vendidos do mundo na década de 90 e convenceu a milhões de pessoas a fazer da escovação dos dentes um ritual diário (um habito), Duhigg mostra que o anseio alimenta o loop do hábito e uma vez identificado esse anseio novos hábitos podem ser criados e alimentados. Hopkins dizia que o segredo era “aprender a psicologia humana” e essa psicologia era fundamentada em duas regras básicas: ache uma deixa simples; defina claramente as recompensas.
Alguns outros exemplos
de sucesso de marketing são apresentados ao longo do capítulo juntamente com
estudos e experimentos realizados em universidades dos EUA e do México. Todos
reforçam a ideia de que uma deixa e uma recompensa por si sós não são
suficientes para que um novo hábito dure. Só quando nosso cérebro começa a
nutrir uma expectativa pela recompensa – um anseio- é que o ato se tornará
automático. “A deixa além de deflagrar a rotina, também precisa deflagrar um
anseio para que a recompensa venha”, expõe Duhigg.
Estudiosos de Harvard,
Yale, da Universidade de Chicago e dezenas de outros centros de pesquisa
analisaram os Alcoólicos Anônimos e dizem que o programa funciona porque obriga
as pessoas a identificarem as deixas e recompensas que estimulam seus hábitos
alcoólicos, e depois as ajuda a encontrar novos comportamentos, novas rotinas
do que fazer ao invés de beber.
Charles ainda expõe que
apenas aplicar a Regra de Ouro não é suficiente, para que um hábito continue mudado,
as pessoas precisam acreditar que a mudança é possível. Se você quer mudar um
hábito precisa encontrar uma rotina alternativa e as chances de sucesso
aumentam quando você se compromete a mudar como parte de um grupo.
“Não apenas vidas
individuais podem ser mudadas quando alguém dedica atenção aos hábitos como também
empresas, organizações e comunidades” e é isso que o livro apresenta na sua
segunda parte. Ela examina os hábitos de
empresas e organizações bem-sucedidas e trás novos conceitos a respeito desse
mundo dos hábitos e entre estes está o dos hábitos angulares.
No capítulo quatro, enquanto
conta a história de como Paul O’Neill transformou um empresa antiquada e
potencialmente perigosa em uma máquina de lucros e exemplo em segurança do
trabalho, Charlles fala como alguns hábitos são mais importantes que outros na
reformulação de vidas e empresas. Os hábitos angulares, como Duhigg se
refere, são capazes de iniciar uma reação em cadeia, quando eles começam a
mudar desalojam e reformam também outros padrões. “Mudanças iniciais deflagram
reações em cadeia que ajudam outros bons hábitos a se firmarem [...]. Os
hábitos angulares proporcionam o que a literatura acadêmica chama de ‘pequenas
vitórias’, que alimentam mudanças transformadoras”, afirma Charles. A cultura de uma empresa cresce a partir os
hábitos angulares de toda organização, quer os líderes estejam ou não cientes
deles.
O capítulo cinco do ‘Poder do Hábito’ é destinado a contar como a Starbucks fez com que a força de vontade se tornasse automática, gerando assim um habito de sucesso. Charles conta que dezenas de estudos mostram que a força de vontade é o habito angular mais importante de todos para o sucesso individual e para a Starbucks ela é mais que uma “curiosidade acadêmica”. Quando a empresa começou seu processo de expansão, no final da década de 1990, os executivos reconheceram que era necessário cultivar um ambiente que justificasse pagar quatro dólares por um copo de café. A empresa passou então a ensinar seus funcionários a moderar suas emoções e a aperfeiçoarem sua autodisciplina para que servissem uma “dose de ânimo com cada pedido”. Os executivos escreveram inúmeros guias para transformar a força de vontade num hábito na vida dos trabalhadores e a Starbucks teve um gasto de milhões de dólares desenvolvendo programas para treinar a autodisciplina dos empregados.
Ainda nos anos de 1980, surgiu a teoria de que
a força de vontade é uma habilidade que se pode aprender, algo que pode ser
ensinado. Porém essa teoria foi refutada quando Mark Muraven, no meio da década
de 1990, descobriu que a força de vontade não era só uma habilidade, mas sim um
músculo e como todos os músculos ela fica cansada quando faz mais esforço. A
força de vontade não seria algo constante e isso justificaria então o porquê
de, por exemplo, não termos dificuldade em sair para correr depois do trabalho
em alguns dias, enquanto em outros não conseguimos fazer nada além de deitar no
sofá e assistir TV. Seguindo essa analogia de que a força de vontade seria um
músculo dois pesquisadores australianos, em 2006, criaram um programa de
exercícios de força de vontade e ficou provado que conforme as pessoas
fortaleciam seus “músculos” da força de vontade em uma parte da sua vida – na
academia, por exemplo- essa força transbordava e afetava tudo. Na medida em que
os estudo sobre a força de vontade foram avançando isso começou a atingir o mundo corporativo
nos Estados Unidos e a Starbucks, assim como outras empresas que dependem de um
grande número de funcionários recém-contratados, passou a aplicar tais estudos
na sua gestão interna.
A Starbucks ensinou seus funcionários a lidar
com os momentos de adversidades, por meio de manuais os empregados aprendiam a
reagir a deixas especificas, como um cliente gritando ou uma grande fila no
caixa. Os gerentes praticavam com os empregados até que suas reações se
tornassem automáticas. E é assim que, segundo Duhigg, a força de vontade se
torna um hábito: escolhendo de antemão um certo comportamento e seguindo uma
rotina quando um ponto de inflexão surge.
No capítulo seis,
Charles conta algumas histórias para mostrar o “poder de uma crise”, como
os líderes criam hábitos em momentos conturbados, enquanto fala de como escolher
hábitos angulares errados pode gerar desastres. “Hábitos organizacionais
destrutivos podem ser encontrados em centenas de ramos de atividade e empresas
e quase sempre são fruto da negligência de líderes que evitam pensar na cultura
e, portanto permitem que ela se desenvolva sem orientações. Não existem
organizações sem hábitos organizacionais; há apenas lugares onde eles são
concebidos deliberadamente e lugares onde são criados sem planejamento [...]”,
afirma Duhigg. Mas, mesmo hábitos destrutivos podem ser transformados e às
vezes é no calor de uma crise que as oportunidades certas surgem. Durante uma
turbulência os hábitos organizacionais se tornam maleáveis o bastante para
gerar mudanças e criar um equilíbrio de poder.
Boa parte do comportamento de uma empresa pode ser entendido como reflexo de hábitos gerais e orientações estratégicas provenientes do passado da empresa. A maioria das organizações é guiada por hábitos organizacionais de longa data, padrões que surgem das decisões independentes de milhões de empregados e que geram rotinas. As rotinas criam tréguas que permitem que as rivalidades executivas sejam deixadas de lado e o trabalho seja feito.
Nesse capítulo Charles também mostrou
como uma paz instável pode ser tão destrutiva quanto os conflitos, “uma
trégua pode gerar perigos que pesam mais que qualquer paz”. Tanto este, como
outros pontos são ilustrados pela história do hospital Rhode Island, que
possuía uma hierarquia de poder totalmente rígida o que contribuiu para
inúmeros erros cirúrgicos e ao quase fechamento do hospital, e a historia por
trás do incêndio na King’s Cross, uma das maiores estações de metrô de Londres,
que também possuía uma dura hierarquia de comando e uma total falta de comunicação
interna. Charles conta com detalhes os embates organizacionais por trás do
incêndio e a rotina do hospital e como eles superaram tais conflitos.
O capítulo sete explora
como empresas preveem e manipulam nossos
hábitos, enquanto analisa especificamente a Target, uma das maiores lojas
de departamento dos EUA, e seus métodos para saber o que seus clientes querem
comprar. “A cada ano, milhões de consumidores entravam na mais de mil lojas da
Target e forneciam terabytes de informações sobre si mesmos. A maioria deles
não se dava conta disso, usavam seus cartões fidelidade, trocavam cupons
recebidos pelo correio sem saberem que a Target podia relacionar suas compras a
um perfil demográfico individual”, explicou Charles. A Target vendia de tudo e rastrear de perto os
hábitos de compra das pessoas possibilitava aos analistas da empresa prever o
que estava acontecendo dentro de suas casas. Para aumentar os lucros a empresa
percebeu que precisava descobrir os hábitos de compra de cada comprador
individual e faze o marketing para as pessoas uma a uma, com abordagens
personalizadas.
Duhigg expõe muitas das estratégias usadas pela Target para fazer um marketing mais certeiro e projetado para às preferencias de cada consumidor, desde a compra de informações de empresas vendedoras de dados até o camuflamento de certos produtos entre outros para que as pessoas não descobrissem o quanto a empresa sabia sobre suas vidas. A Target é uma das muitas empresas que acreditam estar fazendo o certo ao utilizar informações pessoais para “adivinhar o que a pessoas querem comprar, e então tentar convencê-las de comprar isso na Target”.
Por fim temos a terceira parte do livro, a qual contém dois capítulos e trata de examinar os hábitos de sociais partilhados. Contanto desde como a mudança de tais hábitos podem contribuir para o êxito de movimentos sociais até questões éticas ligadas a hábitos destrutivos. O capítulo oito é dedicado a contar o êxito do movimento pelos direitos civis e de Martin Luther King Jr. na luta contra o racismo e como os hábitos influenciaram em algumas conquistas do movimento. Duhigg começa contando o que motivou e como aconteceu o boicote dos ônibus de Montgomery, Alabama e como esse evento isolado ganhou grandes proporções e ajudou a gerar um novo conjunto de hábitos sociais que se espalharam rapidamente.
O movimento pelos direitos civis tornou-se uma onda de ocupações e protestos pacíficos, mesmo quando os participantes eram agredidos violentamente. “Quando o presidente Lyndon Johnson assinou a lei dos Direitos Civis em 1964 – que tornava ilegais todas as formas de segregação e discriminação contra minorias e mulheres –, ele equiparou os ativistas pelos direitos civis aos fundadores da nação[...]”, relembra Charles. Resumidamente este capítulo mostra que movimentos sociais não surgem porque todo mundo de repente resolveu olhar na mesma direção ao mesmo tempo, mas porque eles dependem de padrões sociais. Estes que, segundo Charles, começam com os hábitos de amizade, crescem através dos hábitos comunitários e são sustentados por novos hábitos que mudam a noção de identidade dos participantes do movimento.
No nono e último
capítulo, Duhigg fala um pouco da neurologia do livre-arbítrio e lança mão de
dois casos éticos específicos, o de Brian Thomas (sonâmbulo que durante um
terror noturno estrangulou sua esposa) e o de Angie Bachamann (jogadora
compulsiva que perdeu tudo em um cassino) para questionar se somos
ou não responsáveis pelos nossos hábitos. Brian foi absolvido pelo assassinato de sua
esposa enquanto Angie foi sentenciada a quitar suas dividas de jogo, pois Brian
nunca teve consciência de que os padrões que o levaram a matar existiam e que
podiam dominá-lo, mas Angie tinha consciência de que seu hábito se tornara um
vício e poderia ter feito algo para muda-lo. “Uma vez que se sabe que um hábito
existe, você tem responsabilidade de mudá-lo”, afirma Duhigg.
O Poder Do Hábito nos
mostra que os hábitos não são tão simples quanto parecem. Ao longo de todo o
livro, Duhigg mostra que os hábitos, mesmo quando estão arraigados em nossas
mentes, podem ser mudados. Os inúmeros estudos e experimentos neurológicos e
histórias de experts organizacionais reestruturando empresas que o livro
apresenta, além é claro, das histórias individuais das quais Charles lança mão
para ilustrar as muitas teorias tratadas na obra, tentaram mostrar que qualquer
hábito pode ser alterado se entendermos como eles funcionam. Cada um dos
múltiplos hábitos que influenciam nossos dias tem uma deixa diferente e oferece
uma recompensa única. Porém todo hábito, por mais complexo que seja, é
maleável. “Uma vez que você entende que os hábitos podem mudar, você tem a
liberdade e a responsabilidade de transformá-los [...]”, acrescenta Charles. O livro, embora tente ser objetivo e
categórico acaba se adotando em muitas partes um tom muito voltado para o 'coaching' e a autoajuda. Isso se, dá em grande, devido às muitas histórias de
superação utilizadas para exemplificar as diversas teorias apresentadas na
obra. Em linhas gerais, é um livro que nos ajuda a compreender melhor o que há
por trás de nossas atitudes e até mesmo questionar se muitas das coisas que
fazemos diariamente são feitas conscientemente ou de maneira automatizada por
já terem se enraiado nas nossas mentes.
Boa indicação!
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