Como “Garota Infernal” foi de um fracasso em 2009 para um clássico da cultura pop atualmente - Por: Maria Eduarda Salgado

 

A explicação para as críticas



 

Cerca de 10 anos após o fracasso de lançamento do filme Garota Infernal (Jennifer’s Body), que recebeu apenas 34% de boas avaliações da audiência, a internet subitamente decidiu revisitar o longa, o renomeando como um “ clássico esquecido”. A obra, porém, não tornou-se boa simplesmente, entretanto, só recentemente as pessoas conseguiram entender do que se trata.

 

Garota Infernal teve o desprazer de ser estreado em 2009, ano de muitas expectativas colocadas em Diablo Cody, escritora da fantástica obra, que apresentava Megan Fox como personagem principal (Jennifer) no que deveria ter sido um momento de completa repaginação de sua carreira. Cody havia recentemente ganhado um Oscar por seu filme Juno (2007) e era considerada “sucesso de uma vez só”. Já Megan Fox era conhecida por seus trabalhos na série de filmes Transformers, na qual ela fazia sempre o papel da “garota sexy de biquíni”, e era exatamente o que o público esperava dela.

 

Quando Garota Infernal foi lançado, já existia uma narrativa pré-preparada aguardando para criticar o longa: O roteiro era muito complicado, não era sexy o suficiente porque as cenas não eram explícitas, que não era assustador o suficiente, ou engraçado o suficiente. As críticas foram duras e poucas continham algo positivo. Nove anos depois e Garota Infernal está na lista de melhores filmes de terror escritos e dirigidos por mulheres. O The Telegraph aponta o filme como “A obra mais intrigante de Cody” e Syfy Wire declarou em seu site que o longa “ainda é socialmente relevante”. Com o tempo, chegou-se a um consenso: 2009 não estava preparado para tal filme.

 

“Eu tenho certeza que se o filme estreasse hoje, seria um estouro de bilheterias” escreveu Horror Geek Life. “Um dia, esta obra vai ser mencionada em estudos das intersecções do cinema, teoria cinematográfica e estudos feministas”.

 

No início desse ano, Vice publicou uma longa reavaliação da obra feita por Frederick Blichert, que argumenta que Garota Infernal tem um olhar inteligente sobre os temas de abuso sexual, empoderamento e responsabilidades para com seus atos. Tudo isso antecipando o atual movimento #MeToo, que iniciou nas redes sociais no ano de 2017, contra estupro e assédio sexual.

 

Garota Infernal se tornou objeto de estudo no cinema, avaliando o que valorizamos e o que ignoramos nas obras cinematográficas, e como esses valores podem mudar no curso de uma década. Quando Garota Infernal foi lançado, em 2009, o longa foi visto como um filme com forte conotação sexual que tinha como público alvo adolescentes heterossexuais do sexo masculino. Assim, foi um completo fracasso. Uma das frases mais utilizadas na época para criticar o fome foi que “era Crepúsculo para os rapazes” – em outras palavras, que era uma fantasia sexy adolescente feita especificamente para jovens rapazes com Megan Fox no lugar de Robert Pattinson fazendo o papel do ideal romântico desejado pelo público. Entretanto, Garota Infernal não foi escrito, dirigido, ou deu foco a tal fantasia. O erro dos críticos foi pensar que um filme escrito e dirigido por mulheres havia sido feito para satisfazer as fantasias sexuais de jovens homens adolescentes.

 

Em partes, é possível culpar o marketing, que se baseou quase que totalmente na ideia de que Megan Fox é  um “símbolo sexual” para a divulgação da obra. A publicidade foi feita quase toda girando em torno da cena do beijo entre Jennifer (Megan Fox) e Needy (Amanda Seyfried), então não é justo culpar o público por esperar um filme com muitas cenas de sexo e corpos seminus de atrizes deslumbrantes se foi isso que lhes foi apresentado nos banners e trailers. A forma como Megan Fox era retratada na mídia e o fato de ela ser uma das personagens principais do longa “só poderia significar que se tratava de uma fantasia sexual masculina”, e quando tentamos ver o filme dessa forma, é frustrante e desaponta a audiência.

 

“O filme é sobre ódio, sexualidade, a morte da inocência, política e como as pessoas se portam diante de tragédias. Qualquer um que se porte de forma não convencional é considerado um traidor” Disse Cody em entrevista. Mas o enquadramento complexo que Cody tentou dar ao filme foi completamente colocado de lado. A maior parte dos críticos assistiu Garota Infernal esperando um horror sexual explícito feito para jovens homens, e se encontraram profundamente confusos com a obra.

 

Garota Infernal não é engraçado, não é sexy (as meninas ficam de roupa o tempo todo), e não é assustador (é tudo efeitos especiais)” publicou Combustible Celluloid.

 

As implicações da história, atualmente, se mostram dramaticamente familiares. É a história de um grupo de homens conhecidos e poderosos que sacrificam o corpo de uma garota inocente para o próprio benefício profissional – e é também a história deles usando o sofrimento da jovem como uma atividade recreativa. Um dos momentos mais perturbadores do filme se da quando a personagem Jennifer está amarrada gritando por piedade e todos eles começam a rir. Os rapazes  cantam em coro o refrão da música de 1981 “867/5309/Jenny” e o líder da banda começa a esfaqueá-la repetidas vezes até a morte.

 

O que Garota Infernal oferece em resposta ao trauma e tragédia que aconteceram com Jennifer naquela noite é a fantasia do que acontece depois, de Jennifer usando seu corpo vitimizado e violado para começar uma vingança sobre os homens que a usaram e machucaram. Garota Infernal não é uma fantasia sexual, é um filme sobre vingança, com a trama central embasada na tóxica, co-dependente e profundamente significativa amizade entre Needy e Jennifer. Nenhuma das relações é mais importante do que a dessas duas personagens durante o filme.

 

Nos últimos anos, as vozes dos homens heterossexuais não são mais as únicas a serem ouvidas e outras opiniões críticas tem ganhado mais notoriedade. Garota Infernal teve a oportunidade de ser reconhecido pelo que é e pelas intenções que tinham seu enquadramento desde o início. O que o transformou de um fracasso para um clássico da cultura pop foi, simplesmente, ser observado pelos olhos de quem pode entender do que se tratava.

 

https://www.nytimes.com/2018/10/18/arts/horror-movies-women-directors-mariah-carey.html

 https://books.google.com.br/books?id=FZPoRyuVCgQC&pg=PT336&lpg=PT336&dq=%22kurt+loder%22+%22jennifer%27s+body%22+review&source=bl&ots=MEEoo07HRG&sig=iUttdFtpMcuv6IZIV5b67_mDyr4&hl=en&sa=X&redir_esc=y#v=onepage&q=%22kurt%20loder%22%20%22jennifer's%20body%22%20review&f=false

 https://www.syfy.com/syfywire/why-jennifers-body-is-still-socially-relevant

 https://www.horrorgeeklife.com/2018/02/17/editorial-megan-fox-jennifers-body/

 https://www.vice.com/en_ca/article/qv99y3/jennifers-body-would-kill-if-it-came-out-today?utm_source=vicetwitterus

http://www.combustiblecelluloid.com/2009/jennbody.shtml

 

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